terça-feira, dezembro 23, 2008

Sorriso do canto da boca


É
volto a sorrir
de leve
assim com o canto da boca
Sou capaz sim
Ainda pulsa
a vontade
pra merda com ideologias

Sou puro desejo

ainda tenho veludos

nas palmas das mãos

ainda sei fazer carinho

Tiro a amarra
da cara
Sorrio
Beijo

E brindo

essa coisa que vale

pra ter a mão

entre as coxas


Das meninas da cidade
dos meninos delicados
E das minhas
das minhas partes todas!







sexta-feira, dezembro 19, 2008

INTERIOR

INTERIOR

I
Deparo-me com meu interior
Cinza-verde
Queria ser amarelo-sangue
Mais textura

Nessa imensa floresta,
com prédios no centro
Habito
Co-habito

Meu sentido de Ecologia
Roberto Piva
Falta a sujeira
dessa cidade

Que fará meu
corpor domir
na rua
Nua

II
Xamanismo. Tarahumara
Poderia ir se quisesse
Burguesa atormentada
tem medo do futuro

III
Do alto do interior
vejo o topo dos prédios
imagem da infância
Morte

Ou será a visão do topo?
Titubeio
Meio
Queri ir pra rua

Entrar nas casas
nos bares
e sentir cheiro
Vento do topo

IV
Penso em ir pra cama
Corpo vegetal
Verde
Cinza

Cansaço
Não ao não
Sim!
Vários

Hoje, quero dormir
Beber vinho
e sofrer
ao ver a vida passar

E você?

segunda-feira, dezembro 08, 2008

VERDESCURO

Floresta
Invasão de tons
verdes
sou quase amarela


Apatia
dia seguinte
irritabilidade
é a palavra


Seco
sou toda seca
boca, peito, mão
orvalho


Galhos por todos os lados
Escuridão
Clareira
Deserto de pensamentos


Sobriedade é faca
Embriaguez é desespero
E a vida, o que é?
Puramente clorofila


Tenho tinta nos olhos
os dedos pintados de vermelho
e a cabeça aberta
uma fenda partiu ao meio



E o coração?
Fica onde?
Palpita, sei
mas como cazuza, não amo ninguém



Então deixa-me










segunda-feira, novembro 24, 2008

PRESENTE DE AMIGO

Repetição.
Desproporcional.
Coração aflito
Insanidade, garganta

Secura
Boca, sexo
Ditadura. Tu
Contra tu.

Líquido!
Preciso de líquido!
Quem ganha?
Determinação

Pausa
Música
Des
Caso

Falha
Seca o coração
De tanto que corre
Democratas de merda!



Falta
Eros
Falta o Eros
Que me assalta

Presente de amigo
Conforto
Canal
Lateja

Abandono
Gosto
Bate mais
Já disse que gosto

Bate porra!
Faz sangrar
até o fim
Num golpe, por favor

Passo final
Precipício
Salta, salta, salta
Quarta-feira

sábado, novembro 15, 2008

DESESPERO

DESESPERO I

Fome
Não quero comer
Pelos fios magros do meu corpo
adentraste meu desgosto
de saber que não há
como você alguém pra amar

Então pra que?
Escrever poemas?De que me servem?
Essas cabeças de gatos

Frio. 40 graus
limiares
simultâneos
dependência

Verde
vila
Ana
É tão pegajoso

Poesia-criolina
queima
arde
invade

DESESPERO II

Molecular
Era essa a palavra
que escapou
outro dia

Sinto
esse vai vem
que emana
do canto das sílabas

Curva
onda
oscilação
QUEBRA

Infinito
Escuro
úmido
Desespero, terceira vez

Que os cantos
deuses
orixás
celebrem
solo seco

terça-feira, novembro 04, 2008

DES CASO

DES CASO

Visceral encantadora de homens e mulheres,
Vê forte, machuca.
Tritura os ossos,
Saio viva.
Choque cruel.
Corpo frio que
a vida convoca
A nós, mortais

Noites voláteis
Cansadas
Ultimo respiro
Ar voyer que sopra desejo
A noite, só a noite e não o dia,
traz as corujas cantantes
Um passeio. Como? Onde?
Lugar encantado.

Entreguei o meu cantar.
Onça de garras
pudle de madame
Razão covarde
Egoísta
Recalquei consciente
Fui ao castelo
Fui má

Sou boa
Garras de cetim
E tu, minha puta
Que não vive
A visceralidade que vês
Imploras, assalta-me
Não resisto
Me drogo

Manhã.
Luz branca
Ofusca a respiração
Tímida
Decidida
Brinquedo romântico da cidade
Rasgam-se sedas
Tu rasga-me

Estúpida
Mal amada
Conquista barata
Saco preto à noite
Passa o homem
E o caminhão
Fedor
LUZ!

O castelo é invadido
O cocheiro lhe abriga
Humilde e modesta
Princesa se recolhe, feliz
Agarra-me pelos olhos
e rasga a retina
Pronto, estou cega
Agora só os outros sentidos

Somos mortais princesa
Melhor, sou mortal
Tenho medo dos imortais
Como você
Temo não ter forças
Sangue final
Cheque
Sorte de principiante

Te enganas
sou maior
buraco
Compreensão
Cuidado
Mãe de primeira viagem
Cesariana
Escrava
Bruxa

Fui humana
Tu querias a onça
Atiçou com a lingua
Virei
E vi tu gritares
E escorrer suor
Têmperatura mercurio
Sonho


Tarde
Patos
Patas
Coqueiros
de Ibirapuera
Jóias raras
Visceral, de novo
Agora mais, e agora?

Cabeça no enlace
Baile de galas
Princesa no salão
Réles transparentes
Pobre mais limpinha
Cago
E tu lambes
com a línguia portuguesa

Quer mais do sujo
mas o sujo daqui é foda
Tens medo
Recuas
Pedido silêncioso
Bruxa, de novo
Cega,
retinas no chão

Noite.
Sempre noite
Lobisomens
Lua cheia
Uivos
Têmperatura platônica
..............................
Sonho


Manhã
Luz do apocalipse
Now!
Vazio
Envelhecimento
Morte
Inferno e Purgatório
Sua diaba

Cidades
Loucas e surdas
Curvas
Linhas retas
Vida entorta
Não há Sol hoje
Só lá no Japão
Envelhecimento

LUZ!
Corpo drogado
Tranca a escuridão
Compra o desespero
E paga, ajoelha
Levanta
Fecha o caderno
E pinta a capa

quarta-feira, outubro 08, 2008

Cuidado com o Cazuza....ele machuca!!!




Ritual
Cazuza e Roberto Frejat

Pra que sonhar
A vida é tão desconhecida e mágica
Que dorme às vezes do teu lado
Calada
Calada

Pra que buscar o paraíso
Se até o poeta fecha o livro
Sente o perfume de uma flor no lixo
E fuxica
Fuxica
Tantas histórias de um grande amor perdido
Terras perdidas, precipícios
Faz sacrifícios, imola mil virgens
Uma por uma, milhares de dias
Ao mesmo Deus que ensina a prazo
Ao mais esperto e ao mais otário
Que o amor na prática é sempre ao contrário
Que o amor na prática é sempre ao contrário

Ah, pra que chorar
A vida é bela e cruel, despida
Tão desprevenida e exata
Que um dia acaba


Não amo ninguém
Cazuza, Roberto Frejat, Ezequiel Neves

Eu ontem fui dormir todo encolhido
Agarrando uns quatro travesseiros
Chorando bem baixinho, bem baixinho, baby
Pra nem eu nem Deus ouvir
Fazendo festinha em mim mesmo
Como um neném, até dormir

Sonhei que eu caía do vigésimo andar
E não morria
Ganhava três milhões e meio de dólares
Na loteria
E você me dizia com a voz terna, cheia de malícia
Que me queria pra toda vida

Mal acordei, já dei de cara
Com a tua cara no porta-retrato
Não sei por que que de manhã
Toda manhã parece um parto
Quem sabe, depois de um tapa
Eu hoje vou matar essa charada

Se todo alguém que ama
Ama pra ser correspondido
Se todo alguém que eu amo
É como amar a lua inacessível
É que eu não amo ninguém
Não amo ninguém
Eu não amo ninguém, parece incrível
Não amo ninguém
E é só amor que eu respiro

Por aí
Cazuza e Roberto Frejat
Se você me encontrar assim
Meio distante
Torcendo cacho
Roendo a mão
É que eu tô pensando
Num lugar melhor
Ou eu tô amando
E isso é bem pior, é

Se você me encontrar
Rodando pela casa
Fumando filtro
Roendo a mão
É que eu não tô sonhando
Eu tenho um plano
Que eu não sei achar
Ou eu tô ligado
E o papel, e o papel
E o papel pra acabar
Se você me encontrar
Num bar, desatinado
Falando alto coisas cruéis
É que eu tô querendo um cantinho ali
Ou então descolando
Alguém pra ir dormir
Mas se eu tiver nos olhos
Uma luz bonita
Fica comigo
E me faz feliz
É que eu tô sozinho
Há tanto tempo
Que eu me esqueci
O que é verdade
E o que é mentira em volta de mim

Nós
Cazuza, Roberto Frejat

Mas não é só isso
O dia também morre e é lindo
Quando o sol dá a alma
Pra noite que vem
Alma vermelha, que eu vi
Vê, são tantas histórias
Que ainda temos que armar
Que ainda temos que amar

Por enquanto cantamos
Somos belos, bêbados cometas
Sempre em bandos de quinze ou de vinte
Tomamos cerveja
E queremos carinho
E sonhamos sozinhos
E olhamos estrelas
Prevendo o futuro
Que não chega

Não é só pensar no fim
Nas profecias
Não, não, não, não
É pensar que um dia
Sob algum luar
Vou te mandar um recado
Um reggae bem gingado
Alucinado de amor
Amassado num guardanapo

Pra rirmos dos loucos
Dos sábios, dos mendigos
E dos palhaços noturnos
O sal da terra
Ainda arde e pulsa
Aqui nesse instante
E olhamos a lua
E babamos nos muros
Cheios de desejos

Um dia na vida
Cazuza, Maurício Barros

Não existe nada vivo
Dentro desse quarto
Todo dia eu pego o medo
Meço, mato e guardo
Num cansaço calmo de sobreviver
Cantar pra subir
Descer e dar uma banda
Um dia na vida vale
Você vem
Você tem
Um dia na vida vale pra comemorar
O nosso encontro em nenhum lugar
Pra que escrever poesias num papel higiênico
Depois se limpar com as tristezas de sempre
Um dia na vida
Outro fósforo, outro sol
"A vida é um piscar de olhos
E o amor, um alô e um tchau"
Um dia na vida passa de carona na esquina
Um dia na vida vale qualquer tentativa

sábado, outubro 04, 2008

VIDA LÍQUIDA

Quando ouvi pela primeira vez Hilda escrever VIDA LÍQUIDA, sabia. Nunca pensei em definir este conceito, mas sabia; senti essa vulnerabilidade da VIDA LÍQUIDA; senti com os olhos fechados HIlda escorrer em mim. Alcançou-me como nun enlace, logo escapou e escorri, sorri.



Hoje, por decorrência dos fatos, quis definir a minha própria VIDA LÍQUIDA. As palavras deslizaram até as pontas dos dedos e brindei o papel com o cinza do carbono.



Sabia....



Por quantos segundos consegues segurar um punhado de água entre as mãos?

Por quanto tempo aguentas um pedaço de água na boca sem a engolir? Sem cuspir?

Quantas horas podes segurar sua bexiga sem urinar-se toda?

Quantas vezes tiveste o orgão genital seco estando cheia de tesão?

Já te cortaste profundamente e o sangue coagulou?



Enumeraria fatos até o fim do lápis. Paro; reformulo.



Fisicamente o líquido é atribuído à determinadas partículas em determinadas formas de aproximação entre si. Poderíamos dizer algo sobre a moleza do material. Partículas entrelaçadas de forma frouxa; não-dura.



VIDA LÍQUIDA é devir-água; escorre.



Já sentiste a vida vazar por entre suas mãos?

Já quiseste engolir a vida? Cuspí-la?

Algum momento a vida lhe foi orgânica, como no processo beber-mijar? Inevitabilidade

Sabes quando a vida lhe é tão intensa que precisas gritar orgasmicamente? Pulsão de morte

Já viste a vida sangrar por dentro? Orgãos corroídos



Acho que não sei lhe falar sobre VIDA LíQUIDA; liquidez. Talvez eu nunca tenha conseguido segurar a vida, como a água entre por entre os dedos, como o xixi por entre as calças, como água na boca, como calcinha molhada num beijo quente, ou como sangue correndo nas veias.



A minha vida é líquida porque escapa por todos os lados. Que prazer vê-la escorrer desta forma, mil vezes cachoeira à líquido engarrafado. Seria apenas no máximo etílica; líquido parado é dengue; corpo doente é morte. Morte, antítese da vida. VIDA LÍQUIDA.



Aceitas beber um copo de vida?



VIDA LíQUIDA

quarta-feira, outubro 01, 2008

Bola de fogo, lavra de vulcão



Sou pequena perto deste desejo
que tu soltas pelas ventosas,
minha pequena cavalo-marinho de fogo.

Sou enorme pela febre
que consome meu desejo
Gasta, gasta; e não acaba

Os deuses testemunham
esse calor que brota dos nossos olhos
Transformamos um dia frio em verão

Pegamos fogo, somos incendiárias
Chegamos a ser piromaníacas
Labaredas de prazer

Escorre do ventre lavra de vulcão
que em erupção palpita
sobre nossos sexos

Aboliremos os bombeiros
e águas que caem do céu
Mas deixemos o pássaro cantar

Da minha ou da sua janela
Será testemunha
Ocular

E agora,
que o vento se encarregue
Conduzirá o nosso fogo

Que a brasa não se apague
E difícil agora
é dormir sem me queimar

segunda-feira, setembro 29, 2008

Do alto de uma figueira convido a castanha urbana


Como é bom sentir o gosto do alto do meu cheiro preferido; degusto figos pelos poros.


Gosto tanto da figueira a ponto de desejar ser o fruto maduro e cair; despenco do ápice do tronco, e do chão não passo. Estatelada com as entranhas expostas, sou. Sou figo maduro.


Tantas vezes me desesperei do fato humano; quantas tardes derramei pranto. Aforismos lacrimosos-femininos-masculinos regaram minha raiz e regojizaram no meu regaço.


Tive medo. Folhas ainda verdes congelei. Guardei minha figueira numa redoma de vidro para que só eu pudesse sentir a doce fragância. Medo de roubarem minha primavera, medo de que minhas folhas carnívoras devorem e cuspam estilhaços de gente.


Penso em abrir a porta lacrada de transparência, recuo. Deixo sair gases de odor, recolho.


Será que sou egoísta? Somos todos. Mas será que eu deveria compartilhar a minha natureza e permitir que este cheiro que penetra a alma possa viver ao ar livre?


Dói saber que sendo figueira não posso ser a minha própria jardineira. E como irragarei as pernas submersas em terra?


Calma! Minha racionalidade trancou a porta da redoma com braços-verdes-escuros-cascas-escamas. Tento fazer furos para que seu sopro de vida possa entrar. Tenho medo!


Arrisco!


Dormirei inundada de perfume fora do bloco; poderei sentir o prazer de te encher de perfume e, fazer de ti o fruto saboroso; degustar-te-ei.


Convido-te então a prática da jardinagem, brincar e dormir ao pé da minha figueira, ser também figo.


Se alguma infelicidade infortúnia decorrer desta experiência sensorial, posso apenas lamentar.


Mas convicta afirmo: não me tragam figos em calda, pois não sei respirar o artificial!






terça-feira, setembro 23, 2008

Aflição

Estou aflita, como estou aflita. Qualquer ação que venhas a fazer, torna-te devedora. E como pagar esta dívida se não existe promissória? Sim, serás devedor até o fim de suas ações. Talvez não deveríamos adquirir coisas que não possamos pagar; mas como fugir do pensamento burocrático que te cria dívidas e cobra-te, e te falsifica, classifica?

"O suicídio é uma solução? Se é, e há quem defenda que é, não me interessa. Só o problema é interessante, nunca a solução; e o ser humano, ou o que dele resta, tem que ser capaz de viver com a insolubilidade da própria vida"
(João César Monteiro, filme Vai e Vem, 2002).

quinta-feira, junho 05, 2008

Medusa assaltada


Uma enorme ansiedade permeia agora as minhocas do me cabelo de Medusa. Cabelos que dão forma a esta minha beleza sem sentido, que conquistam as pessoas sem a menor intenção de assim o ser. Quando quero conquistar, não consigo e sou a pura frustração.
Estou ansiosa por algo que venho cativando ao longo das horas, das conversas e das posturas. Tenho medo de ser mais fútil do que eu pensava em ser um dia. Tenho medo da contradição que acompanha meus passos, que finca a marca no cimento úmido com a impressão digital dos meus sapatos.
Mais uma vez comprovo que sou pequena, porque tenho medo, porque sou contraditória, porque sou humana. Queria ser heroína, ou como disse outro dia a um amigo, queria ser uma deusa do olímpo, onde é permitido ser humano, e os erros desta estúpida espécie, são compensados pela divindade da filiação de Zeus. Queria ser Dionísio, queria. Me embriagar nos ditirambos, juntamente das minhas companheiras bacantes, e no dia seguinte, poder ser o que que quiser, sem ter que ser humana, sem ser contraditória.
Acho que meu maior medo é esse, o da contradição. Tenho meus ideais sobre a condução da vida, mas talvez os interprete mal quando os pratico. Ou pratico de forma mais coerente do que meus próprios ideias.

Fui roubada. Me assaltaram as minhocas da cabeleira. Dois assaltantes diferentes me roubaram um gosto, um sabor. Num dos casos fiquei assustada por não esperar e relutei. No outro caso, esperava, portanto entreguei meu tesouro ao ladrão, e a adrenalina só é boa quando não se espera. Agora, anseio que o terceiro destes furtantes do amor roube tudo o que eu tenho, que me deixe nua, na rua escura e deserta, mas além de tudo me deixe uma lembrança do gosto de uma saliva que eu já sei o sabor e quero de novo, como eu quero. Outro dia ele me comunicou que pode ser que me assalte, quis até marcar hora e local, mas nunca disse que iria me assltar; talvez queira apenas alguma coisa emprestada.
Agora ando na rua com todas as minhas coisas a vista para quem sabe possa ser roubada novamente e que me leve tudo, tudo.

E ainda há o outro caso, o mais intrigante de todos confesso. Quero fazer as vias do ladrão, quero que todas as minhas minhocas criem braços e mãos múltiplas e assim, roubar tudo o que eu posso. Mas tenho medo, talvez aquele pudorzinho de roubar um livro na livraria e ter medo de ser descoberto, e que mais do que ter que devolver o livro, passar a vergonha de um assaltante de propriedades privadas. Quem sabe o desejo e a vontade de ler estes versos não compensem todos estes riscos infortúnios e que possa pelo menos por uma noite, ser a poesia.

terça-feira, junho 03, 2008

Cotidiano violento na pastelaria


Seis horas da manhã. O despertador impunemente grita. É hora de acordar. É hora de sair dos lençóis da cama de solteiro e se vestir para mais uma jornada, para mais um dia como todos os outros que se passaram. Alice não sabe mais como suportar essa degradante coisa que é o seu próprio cotidiano, mas suporta, pois já não tem mais forças para tomar uma atitude.

Quantos anos já não levava aquela vida, trabalho casa, casa trabalho. Todos os dias faz a mesma coisa, acorda, toma seu banho frio, se veste e sai em direção à pastelaria onde de segunda à sábado ela entra, abre a porta com as chaves que seu chefe lhe confiou, lava o chão, limpa os banheiros, prepara todos os doces e salgados nas vitrines, liga a máquina de café e faz diversas outras atividades, todas elas da mesma forma que já faz há 10 anos, antes de abrir a porta para os clientes, que já as oito da manhã começam a chegar.

As oito chega o primeiro cliente. O Senhor Joaquim Antunes, que já há muitos anos, antes mesmo de Alice ser contratada para a pastelaria Sonho de Verão é sempre o primeiro cliente. Ele entra com seu jornal do dia anterior, pede uma bica cheia e um pastel de natas e senta na mesa do fundo à direita. Fica ali das oito, até as nove, se despede de Alice e vai embora.

Depois começam a chegar os outros clientes, são trabalhadores da região, são estudantes que moram perto, são as senhoras e senhores já aposentados que vão se encontrar na pastelaria e tomar o pequeno almoço juntos.

O dia vai passando, os salgados vão chegando ao fim, os doces das vitrines passam de apetitosos a velhos, os cafés passam a ser descafeinados e Alice, esta mulher apática não passa nada, nunca passou e não seria agora que aconteceria esta reviravolta.

Volta pra casa abatida, desesperada da vida, para se preparar para mais um dia de pastelaria.
Que inferno de vida!

segunda-feira, março 31, 2008

Solidão cotidiana

Sinto-me só, dentro de uma banheira branca, onde a espuma do sabão jorra por meus dedos apertados como numa erecção. Escorre gozo pelo meu corpo todo. E eu me excito, eu me masturbo e eu me concentro. Grito; grito solitário, grito seco.
Sinto-me mole, levanto-me com disposição de quem acaba de viver um acontecimento feliz. Penteei meus curtos fios cabelo; pinto os olhos; visto a roupa do baile de sábado e saio à rua de óculos de sol em busca de um passeio contente.
Na primeira quadra me alimento de porcarias, na segunda sinto-me a dona do mundo, na terceira chove e volto. Compro o jornal para sentir-me inteligente, sento-me no café para sentir-me social. Alguns minutos depois já estou em casa no sofá.
Vejo um filme triste e choro. E a vida passa num filme como no dia da morte, e já não choro mais pelo romance, mas por entre a minha vida. E passa. Recomponho-me, choro de novo; agora lágrimas secas. Ali permaneço imóvel como estátua de pedra escura, e sinto-me tão só, mas tão só.
Saio de casa, sirvo bebidas às pessoas; vejo-as embriagarem-se com meus olhos sóbrios de uma profissional. Tenho vergonha, por ter um dia ter sido bêbada de futilidades, tenho inveja por náo estar feliz como aquelas pessoas.
Volto pra casa cansada. Tento ainda me divertir em alguma discoteca, sinto-me extraterrestre, desisto.
E cá estou a vomitar, sozinha!