terça-feira, maio 31, 2011

LUGARES

Lugares
que desdobram-se,
linhas intermitentes
setas rubras.

Pedaços de vidas
juntadas pelas carnes
deste tempo, mole
conjunções, cartilagens.

Estou sendo
no topo do barco

BERRO!! Sussurro...

Como gorila
bebo vidas, sólidas
cuspo o fogo do vulcão

Corpo-chama
saliva doce
esfregar a língua
queimar entranhas

Vício, visceral

TURBANTE

Fonte de desejo
que corrói todos
os pedaços
do corpo, lânguido

Ao meio da tarde
pelas frestas do casaco
invadem quentes
as vontades do torpor

Há tempos não se tinha visitas
dos desejos incontroláveis
de trepar à tarde
num dia de mau humor

Vou ali e resolvo
buraco no estômago, novo
volto, aliviada, com mais vontade
de tocar meu próprio rosto

E o calafrio invade toda a roupa
branquidão no rosto congestionado
o mau humor de despede
como uma tarde equivocada

terça-feira, maio 24, 2011

QUENTE

Onde foi que ganhei
todas as notas de suingue
pra me liberar da dança
dura dos amantes tristes?

Sinto muita força
dentro do meu corpo

os muros estão desmoronados
gosto de ser livre, ah, como gosto!

Respiro o ar que vem
do meu quadril
resisto pela pele
onde está o calafrio?

Uma serpente vive em mim
dança no meu ventre
cospe fogo pelas línguas
e tudo parece coerente

Tudo que inventei
agora é meu
ninguém me rouba a consciência,
nem me leva a alegria

E lavar as roupas de sangue
cândida, alvejante
os fios do tecido cedem
as camisas ficam velhas

Posso sair nua, na rua?
juro que não terei frio
que meus seios serão,
enfim a ponta dos meus dedos

E desponta no calafrio
um calor latejante
e sou essa agora
inventei, já não se volta

E uma linha bem fina
atravessa meu entendimento
cada vez melhor
lancinante, estou atenta.

sexta-feira, maio 20, 2011

C A R I N H O

Carinho
quando foi que te pedi?
no dia em não me deste
Agora?

Deixa pra lá
não me serve assim
entre as mesas de marfim
amedrontadas na rua

O que fazes quando dão-te
o que não pediste?
Cospe? Guarda?
E quando pedes?

Fragilíssimo meu pedido
e tu, nem dá por isso
só quer o carimbo
no meu peito. negação

O que eu esperei
me rasga a decepção
vontade de beijar na boca
qualquer lábio que me dão

Mas não, melhor assim
colegas, estátuas duras e neutras
não quero fazer parte disso
minhas olheiras pedem cama

Sei das minhas companhias 
dos meus amores, das minhas vidas
música por todos os lados
você está nelas, mas não quer ouvir

Eu apago as canções?
não há papel, só na cabeça
apago a memória, a inspiração 
desperdicei nas suas curvas

Luta agora para ir 
as músicas já são minhas
e você míngua, míngua
até um dia deixar de existir 




 

segunda-feira, maio 09, 2011

NEXO

Olha pelo azul
das praças cobertas
do vermelho de cobre,
lendárias

Vê, que não são poucos
os vidros quebrados
pelos gritos histéricos
dos homens amedrontados

Histéricos? Homens?
Alguma coisa errada
é que mudei os gêneros
cruzeis as calçadas

Enquanto isso
mulheres amontoadas
tentando ser outra coisa, que não
essa merda que invento, desordenada

E a desordem dos apartamentos
intocados pela higiene aburguesada
não vive ninguém ali, parece
que já ninguém quer viver nada

A sujeira que se acumula
nos cantos dos azulejos
entoados por sereias de pé
agora nada, eu vejo

E ao ver alguma coisa
vou sendo várias
homens, mulheres
e até estas sereias cansadas

Então vamos embora
que nada espera nem te cobra
sou apenas uma coisa
que agora é o agora.

Enfim, vãos são seus desejos
tortos todos os meus azulejos
sujeiras acumulam-se nas orelhas
não quero ser limpa.

Apenas as ameijoas das praias alheias
E tu, quem serás ó silhueta sem sexo?
Sereia, homem, mulher, ou nexo?
Nada, pois já não há classificações

às loucuras do ser humano

quarta-feira, maio 04, 2011

PAPEL ENCONTRADO NO BOLSO DO CASACO


"Como vamos dormir esta noite? Sem olhar pra trás ou com a certeza que tentamos tudo? Não quero mais perceber onde entrei. Mas por que é que fui deixar acontecer? Tava na cara que a cara estaria estatelada no chão, como agora.
Tenho meu coração nas mãos e queria guardá-lo numa caixa; deixar embaixo de uma figueira. Alguém um dia talvez o encontre e ateie fogo, para que nunca mais ouse bater, mesmo que desconectado de suas linhas.
Será que é melhor permanecer dentro de casa? Dormir na cama fria do lençol novo e só trocar quando já estiver puído?"

Agora que esse papel vei ter às minhas mãos, agora que já estou sendo outra, reflito: na água da fonte, reflito meu rosto, minha cara lavada com fome de vida, que nem Macabéa.
Não se pode fazer nada meu filho - diria D. Alcinda para meu tio. Não se pode achar que tens a vida nas mãos como se segurasse um cavalo, pelas cordas ou pela crina. Nem mesmo dos cavalos o homem tem o controle. A vida empina, a vida dá coices. A vida dá pra você um monte de coisas, e o que você faz com elas? Amontoa no lixo fora de casa?

Comecei assim a pensar na compostagem, reciclagem. A casca da laranja nunca vai voltar a ser casca da mesma laranja. Mas irá ser tantas outras coisas, até de repente, quem sabe poder virar uma outra laranja, num outro tempo, de um outro jardim.
D. Alcinda, uma mulher grande, que impunha uma impunhadura apenas com seu cheiro, ocupava todos espaços. Meu tio, foi apaixonado por aquela mulher que lhe ensinou muitas coisas sobre a biologia da vida. Ensinou a ele que quando se pára pra pensar no tempo que se passou, é como se de repente estivesse a varrer o chão que acabou de ser encerado. Mas o tempo não pára. E você fica pra trás amontoado nestas angústias do que foi feito de si. Então tire a cabeça do buraco, larga a vassoura. E procure ir sujar o quintal do vizinho, encha suas mãos de lama, para pelo menos ter o que limpar. Limpeza da pele toda, da carne das unhas dos pés ao último poro do couro cabeludo.
Esta noite sonhei um monte de coisas. E delas nasceu D. Alcinda, nasceu meu tio. E agora estou limpando a minha casca, a minha casa, a minha laranja, o meu tempo. Acabo de me jogar na fonte, e meu rosto só reflete aquilo tudo que ainda não vivi.

Que venha então o reflexo do Sol nas águas do meu coração!!!!

Foto tirada de http://www.fanfiction.com.br/viewstory.php?action=printable&textsize=0&sid=66065&chapter=all




domingo, maio 01, 2011

TARDE DE SABADO

I
Prédios, plantas
jovens nos bancos
brancos, descascados
o tempo esteve aqui

O silêncio do barulho
escolho sons
com todo o corpo
brisa do outono

Cabeça latejante
ritmo do coração
dói, porque não há sangue
nos pensamentos

Que fome, já é tarde
vontade de dormir na praça
comer folhas secas
crocantes sob o chinelo

Andar até o outro lado
raios amarelos
azul-pintura
topo do corpo

Horizonte vertical
cidades esparramadas,
melhor sair
pra circular os sentimentos

II
E circula o vento frio
condensado pelo sol
viajo no tempo e nos espaços
volto, sem ir

Qual o prazer afinal?
estar aqui, sozinha
não há argumentos
rostos, só os dos outros

Gasto pouco com pernas
energia em outro lugar
sem (des)compensar os rins
compensa este lugar

E aqui comigo
há muita gente
os reis, os índios
os meus, os nossos

E quem eu quero ser
agora? Poder ou potência?
Vou perdendo a gordura
que gruda ao meu jardim

Vou beber um café
para desgrudar a cabeça
o corpo anda
e a tarde já se vai