
Como é bom sentir o gosto do alto do meu cheiro preferido; degusto figos pelos poros.
Gosto tanto da figueira a ponto de desejar ser o fruto maduro e cair; despenco do ápice do tronco, e do chão não passo. Estatelada com as entranhas expostas, sou. Sou figo maduro.
Tantas vezes me desesperei do fato humano; quantas tardes derramei pranto. Aforismos lacrimosos-femininos-masculinos regaram minha raiz e regojizaram no meu regaço.
Tive medo. Folhas ainda verdes congelei. Guardei minha figueira numa redoma de vidro para que só eu pudesse sentir a doce fragância. Medo de roubarem minha primavera, medo de que minhas folhas carnívoras devorem e cuspam estilhaços de gente.
Penso em abrir a porta lacrada de transparência, recuo. Deixo sair gases de odor, recolho.
Será que sou egoísta? Somos todos. Mas será que eu deveria compartilhar a minha natureza e permitir que este cheiro que penetra a alma possa viver ao ar livre?
Dói saber que sendo figueira não posso ser a minha própria jardineira. E como irragarei as pernas submersas em terra?
Calma! Minha racionalidade trancou a porta da redoma com braços-verdes-escuros-cascas-escamas. Tento fazer furos para que seu sopro de vida possa entrar. Tenho medo!
Arrisco!
Dormirei inundada de perfume fora do bloco; poderei sentir o prazer de te encher de perfume e, fazer de ti o fruto saboroso; degustar-te-ei.
Convido-te então a prática da jardinagem, brincar e dormir ao pé da minha figueira, ser também figo.
Se alguma infelicidade infortúnia decorrer desta experiência sensorial, posso apenas lamentar.
Mas convicta afirmo: não me tragam figos em calda, pois não sei respirar o artificial!